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Menos Mercado Mais Cidadania III

Por Sônia Alves

O Brasil vem sofrendo com insistente crise econômica desde 2014. A quebra econômica que afetou o mundo em 2008 com a quebra do Banco Lehman Brothers e as bolhas financeiras resultantes do mercado imobiliário dos EUA chegou ao Brasil nessa época. De lá para cá, o Brasil vem acumulando, ano a ano, o desaquecimento da economia, o aumento da capacidade ociosa das indústrias e aumento das taxas de desemprego.

Já no início do segundo mandato de Dilma Rousseff, sob pressão do grande capital, o caminho escolhido foi o da ortodoxia e do fortalecimento de medidas monetaristas coordenadas pelo Banco Central, dando sinais de que a disputa pelo Orçamento seria ganha pelo mercado.

A guinada do modelo econômico

Os doze anos dos governos Lula/Dilma foram marcados pelo modelo desenvolvimentista, com o fortalecimento das estatais (Petrobrás, Embraer, etc.) e pela colocação do Estado como fomentador dos investimentos, construindo estradas e realizando grandes obras que demandavam o funcionamento do parque industrial da construção civil.

Houve um avanço nas políticas públicas em relação aos governos anteriores, porém, não houve a necessária ruptura com o modelo rentista e faltou um trabalho no sentido de elevar a consciência das massas, principalmente no sentido de reconhecerem a importância dessas políticas públicas para a maioria do povo. Quem conseguiu algum benefício, de uma forma geral, achou que foi por meritocracia e não por aplicação de determinada política mais voltada para o bem estar da população.

Já o governo Michael Temer, com apoio e intervenção direta das grandes corporações na interrupção brusca do governo anterior – eleito pelas vias democráticas, impõe um modelo econômico baseado na desidratação do Estado, nas privatizações, no corte de gastos sociais e dos direitos.

Aprofundou-se o processo de concentração de renda no Brasil ajustando nosso país ao modelo mundial que vinha em franco crescimento pós crise de 2008. De acordo com os dados do Crédit Suisse de 2016, oito famílias detinham o patrimônio igual ao da metade mais pobre da população mundial, resultado direto dos mecanismos
financeiros.(i)

Após a posse do governo Temer, houve um brutal crescimento dos índices de desigualdade social: a renda dos mais pobres caiu 40% e a extrema pobreza aumentou em 11%.(ii)

De que forma foi operacionalizado esse aprofundamento na desigualdade e esse assalto às riquezas nacionais, desviando-se boa parte do que foi produzido no país para as mãos de uns poucos rentistas e de grandes capitalistas? O governo Temer operou o orçamento no sentido de economizar nas políticas sociais, a fim de obter sobras maiores para pagamento da dívida interna. Nessa linha, aprovou a Emenda Constitucional 95/2016, que congelou por 20 anos os gastos com as áreas da educação, saúde e a assistência social.

Desse modo, os governos municipais e estaduais ficarão durante 20 anos sem investir em saúde e educação. Entretanto, o pagamento da dívida pública não é afetado pela Emenda 95 e é mantida a regra de desviar o dinheiro que deveria ser destinado ao bem-estar da população para o pagamento de uma dívida financeira
de origem duvidosa.

A recente crise provocada pela pandemia da Covid19 trouxe à tona a inadequação dessa Emenda para enfrentá-la, mostrando que o Estado não pode ficar refém de uma restrição como essa prevista no congelamento de verbas e que precisa estar apto para assegurar ao povo serviços como o da saúde.

Além disso, as operações do Banco Central de enxugar a moeda do mercado eleva o valor do dinheiro, fazendo explodir a taxa de juros de empréstimos bancários, cartões de crédito e cheque especial. Tais operações, parte integrante da política econômica neoliberal, são outro meio para destinar recursos aos bancos e penalizam os investimentos produtivos que dependem de empréstimos. E, ainda, penalizam duplamente os trabalhadores brasileiros que pagam juros altíssimos nessas modalidades financeiras, bem como são sacrificados com demissões quando os agentes econômicos produtivos optam pela especulação financeira reduzindo os investimentos na produção ou ampliação de serviços.

Para compensar as empresas, o governo Temer optou por reduzir os direitos trabalhistas, a fim de manter os lucros com os baixos investimentos em produção. Para isso aprovou a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) e providenciou a Reforma Sindical que acabou com a contribuição obrigatória, visando retirar o poder de resistência da classe trabalhadora.

Para ilustrar o que foi dito a respeito da transferência de renda sob o mote do pagamento da dívida pública, em 2018 foram pagos R$ 1,065 trilhão para pagamento dos serviços da dívida, representando mais de 40% do Orçamento da União.

O resultado foi a grave diminuição da renda das famílias brasileiras sem a esperada recuperação econômica. O Brasil obteve um crescimento magro do PIB (de 1,1% em 2017 e 1,1% em 2018), incapaz de gerar empregos que pudessem tirar os mais de 13 milhões de trabalhadores do desamparo.

O governo Bolsonaro e a continuidade do modelo neoliberal

O governo de Jair Bolsonaro segue e aprofunda o modelo neoliberal de uma forma sem precedentes na história do Brasil, garantindo enormes rendimentos ao capital à custa de cortes nos direitos conquistados e o consequente aumento da miséria. A batuta dos interesses dos grandes conglomerados econômicos e do sistema financeiro continua regendo a equipe econômica e Paulo Guedes é abertamente o representante desses grandes interesses.

A política de cortes de direitos e cortes nas áreas sociais se consolida. A Reforma da Previdência impõe aos trabalhadores mais tempo de contribuição e benefícios reduzidos. O ataque aos direitos dos servidores públicos transforma-se em política sistemática e se aprofundam os cortes nas áreas sociais via Medidas Provisórias
assustadoras ou simplesmente por fomento ideológico do governo: invasão de terras indígenas, desmatamento resultante do enfraquecimento das instituições de controle, a MP910 que favorece a grilagem de terras, etc.

Todo o esforço do atual governo tem sido o mesmo do governo anterior, o de reduzir a parte do Orçamento da União destinada aos gastos sociais e direcionar ganhos ao capital e ao sistema financeiro, além de favorecer os lucros do agronegócio e da indústria extrativista pelas vias da desregulamentação em que tudo é permitido.

A formação de superávit primário em detrimento dos investimentos em prol da sociedade brasileira para engordar o pagamento da dívida pública, também é o foco do governo Bolsonaro. Em 2019, R$ 1,038 trilhão foi destinado ao pagamento do serviço da dívida, ou seja, quase 40% do Orçamento.

A dívida pública é um dreno por onde escorrem as riquezas produzidas pelos cidadãos brasileiros. Se somados os R$ 1,065 trilhão pagos em 2018 com os valores pagos em 2019, tem-se R$ 2,1 trilhões pagos em dívida sem nenhuma contrapartida para a sociedade, ou seja, nenhum hospital foi construído, nenhuma estrada ou escolas foram erguidas em troca dessa dívida.

Em que pese os pagamentos vultosos, a dívida pública só aumenta. Sua valorização crescente é resultado de algo que a Auditoria Cidadã da Dívida – ACD chama de “sistema da dívida”. Trata-se de um processo de ciranda financeira (juros sobre juros) e de esquemas fraudulentos que tornam a dívida impagável. As operações compromissadas são um item desses esquemas, eis que garantem, de forma não legalizada, que o Banco Central compre as sobras de caixa dos bancos privados (dinheiro que os bancos não usaram para empréstimos a juros) e os remunere com títulos da dívida pública. Isso significa dizer que a União subsidia os bancos nas operações que não se realizaram, de modo que os bancos não correm nenhum risco, considerando que o risco é um fator inerente aos princípios do capitalismo.

Outro processo de valorização artificial da dívida é a remuneração dos títulos públicos colocados no mercado a taxas de juros muito acima da taxa Selic. O governo tem adotado essa prática. Um exemplo está na taxa de juros fixada pelo governo para seus títulos no último semestre de 2019 de 9% aa, enquanto que a taxa Selic girava na média de 5 a 6% aa no mesmo período.

Soma-se a essa farra financeira, a autorização contida no art. 7ᵒ da Emenda Constitucional 106/2020, o Orçamento de Guerra, para que o Banco Central compre títulos no mercado secundário, cuja característica principal é não ter regras, comprometendo a lisura do processo e a supervisão da sociedade. Esses títulos são chamados de secundários, ou títulos podres que dormitam há mais de 10 anos na carteira das instituições financeiras porque têm valores muito abaixo do mercado. Tal dispositivo autoriza o Banco Central a comprar esses papéis em troca de títulos da dívida pública novos e valorizados. Essa operação, estima-se, trará uma dívida de quase R$ 1 trilhão (R$ 972 bilhões – sem contar os juros e amortizações, que segundo cálculos, podem atingir até R$ 4 trilhões), favorecendo os bancos e acumulando mais dívidas para a União. O parágrafo 1ᵒ desse artigo faz menção a priorizar a compra de títulos emitidos por micro e pequenas e médias empresas. No entanto, quem emite títulos são empresas grandes, as chamadas S/A, de capital aberto. Desnecessário frisar que os cidadãos brasileiros serão os que pagarão essa fatura.

Na outra ponta, a da arrecadação, a situação é igualmente dramática. A carga tributária brasileira recai mais fortemente sobre as classes média e pobre, através do IR e do imposto indireto, contido nas mercadorias. O Brasil não tem imposto sobre fortunas e nem sobre lucros e dividendos, fazendo com que os donos do capital fiquem praticamente isentos de impostos.

Ainda não satisfeitos com essa transferência de renda praticada a olhos vistos, o atual Presidente e seu Ministro da Economia pretendem impor novos cortes de direitos sob a alegação de que as medidas de custeio da pandemia da Covid19 estão quebrando as finanças do país.

No entanto, os custos já praticados pelo Auxílio Emergencial, se projetados para os próximos 3 meses ao valor de R$ 600,00 para cada cidadão e considerando o fornecimento do referido auxílio a 80 milhões de brasileiros, tem-se um gasto de R$ 144 bilhões. Esses valores somados à verba destinada aos estados e municípios para enfrentamento da pandemia, de R$ 125 bilhões, tem-se um custo de R$ 269 bilhões, o que representa 22,4% dos valores já repassados ao sistema financeiro nesse momento de pandemia num total de R$ 1,2 trilhão.

O cúmulo da hipocrisia é afirmar, como já está sendo feito pelo governo Bolsonaro e aceito como verdade pela mídia, que os R$ 269 bilhões farão estrago no Orçamento Federal e, por isso, há uma demanda por mais austeridade (leia-se mais cortes de direitos). No entanto, somadas somente duas operações, diga-se o pagamento dos serviços da dívida em 2019, de R$ 1,038 trilhão, mais o repasse recente aos bancos, de R$ 1,2 trilhão, chega-se ao valor de R$ 2,238 trilhões destinados ao sistema financeiro, representando quase dez vezes os valores dirigidos (parte ainda será dirigida) ao bem estar da sociedade no enfrentamento da pandemia. Essa comparação não é feita pela mídia que naturaliza a transferência de renda ao capital de modo que o torna invisível.

Todo esse cenário sustenta a ideia de que a disputa pelo Orçamento da União está sendo vencida pelo mercado numa luta muito desigual com os cidadãos brasileiros que vivem a mais brutal queda de renda e aprofundamento da miséria.


(i) Ladislau Dowbor, A era do Capital Improdutivo, Ed. Autonomia Literária
(ii) https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2018/04/governo-temer-e-responsavel-pelo-avanco-da-desigualdade-social-no-brasil/

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